terça-feira, 11 de agosto de 2009

Dispersão...


Perdi-me dentro de mim Porque eu era labirinto E hoje, quando me sinto, é com saudades de mim.Passei pela minha vida um astro doido a sonhar.Na ânsia de ultrapassar, nem dei pela minha vida...Para mim é sempre ontem, não tenho amanhã nem hoje:O tempo que aos outros foge cai sobre mim feito ontem.(O Domingo de Paris Lembra-me o desaparecido que sentia comovido "Os Domingos de Paris": Porque um domingo é família, é bem-estar, é singeleza, e os que olham a beleza não têm bem-estar nem família).Pobre moço das ânsias... Tu, sim, tu eras alguém! E foi por isso também que me abismastes nas ânsias. A grande ave doirada bateu asas para os céus, mas fechou-se saciada ao ver que ganhava os céus.Como se chora um amante, assim me choro a mim mesmo: Eu fui amante inconstante que se traiu a si mesmo.Não sinto o espaço que encerro nem as linhas que protejo: Se me olho a um espelho, erro... não me acho no que projeto. Regresso dentro de mim mas nada me fala, nada!Tenho a alma amortalhada, sequinha dentro de mim.Não perdi a minha alma, fiquei com ela, perdida. Assim eu choro, da vida, eu nunca vi... mas recordo a sua boca doirada e o seu corpo esmaecido, em um hálito perdido que vem na tarde doirada.(As minhas grandes saudades são do que nunca enlacei. Ai, como eu tenho saudades dos sonhos que sonhei!... ) E sinto que a minha morte —Minha dispersão total —Existe lá longe, ao norte,numa grande capital.Vejo o meu último dia pintado em rolos de fumo, e todo azul-de-agonia em sombra e além me sumo.Ternura feita saudade, eu beijo as minhas mãos brancas...Sou amor e piedade em face dessas mãos brancas. . .Tristes mãos longas e lindas que eram feitas pr'a se dar ninguém mas quis apertar tristes mãos longas e lindas... Eu tenho pena de mim, pobre menino ideal...Que me faltou afinal?Um elo? Um rastro?... Ai de mim!Desceu-me n'alma o crepúsculo;Eu fui alguém que passou.Serei, mas já não me sou...

(Mario de sá Carneiro)

Nenhum comentário:

Postar um comentário